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19 de janeiro de 2011

A incúria, o desleixo, a negligência e o teatralismo vazio das autoridades nos desastres no Brasil

Os desbarrancamentos não foram só das encostas...


O desbarrancamento da autoridade pública

Marco Antonio Rocha

janeiro 19, 2011 por Henrique Cortez

O Estado de S.Paulo

Presenciamos, na semana passada, mais uma vez, as duas enchentes de todos os anos: a trágica, triste, lamentável, acabrunhante e, infelizmente, mortal. E a enchente do cinismo, do palavrório, das explicações e desculpas esfarrapadas da cartolagem da política nacional: prefeitos, governadores, ministros e seus fâmulos.

A primeira, desencadeada cem por cento por causas naturais. Chuvas torrenciais e deslizamentos de montanhas – assim como terremotos e irrupções – não há força humana que possa deter ou desviar quando têm que acontecer. Mas os efeitos trágicos não são cem por cento naturais. Não dá para fazer uma conta precisa, mas, certamente, boa parte, se não a maior parte, dos efeitos trágicos, em termos de mortes e ferimentos, ou de prejuízos, nas destruições de casas, pontes, estradas, veículos, etc., é fruto do tsunami de incúria político-administrativa que nos assola o ano inteiro.

Vamos falar com realismo: o poder público, no Brasil, tornou-se hoje uma farsa, muito pior do que a velha commedia dell”arte italiana, principalmente porque não tem graça nenhuma.

Em primeiro lugar, não é poder. Só existe praticamente, só se nota sua presença, na cobrança de impostos – assim mesmo, quase só dos impostos que são automáticos, como na conta de luz, do telefone, do gás, dos combustíveis e no desconto em folha. Já nos impostos que não são automáticos, aí também se exibe o festival de incúria, tamanha é a sonegação. De tempos em tempos, o poder público farsante dá uma colher de chá aos sonegadores, os famosos “refis”, perdoando parte das dívidas para que eles voltem a recolher impostos. Mas, incapaz de fiscalizar o cumprimento dos acordos, espera a formação da próxima fila de sonegadores para renovar o “refis”.

Em segundo lugar, o poder também não é público. Na maior parte do tempo funciona como organismo privado, atendendo a interesses pessoais e eleitorais dos seus detentores, eleitos ou nomeados. Por que o saneamento básico no País é uma lástima (aliás, causa também de inundações)? Porque “não dá voto”, e essa explicação cínica é ouvida e vista nas TVs, saída da boca dos próprios políticos. Ou seja, aquilo que não atende ao interesse pessoal eleitoral do cartola da hora não é digno da sua melhor atenção.

Agora, nesta hora trágica, como no final de 2009, de 2008, de 2007…, etc., vemos autoridades nas TVs proclamando que é um absurdo que se permitam construções nas encostas dos morros, nas áreas de risco, na calha inundável dos rios. Indiretamente estão acusando o povo ignorante de se entregar às ocupações irregulares. Mas o que realmente estavam fazendo esses ilustres senhores quando não havia, ou antes que houvesse, ocupações irregulares ou regulares nessas áreas? Estavam demarcando-as? Estavam fiscalizando-as? Estavam pondo nas cadeias os grileiros de terrenos públicos que se transformam em loteamentos da noite para o dia??? Ou estavam, ao contrário, “legalizando” a patifaria para ganhar os votos de quem foi morar lá, atendendo aos pleitos dos cabos eleitorais da periferia?

O governador do Rio disse, acertadamente, que a tragédia humana e o prejuízo material resultante dos deslizamentos dos morros, na região serrana, sobre as cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, foram consequência do descuido e da incúria de vários governos nos últimos 30 ou 40 anos. Sem dúvida. Mas ele próprio tem mais de 30 anos de vida política ativa no Estado do Rio de Janeiro, em muitos postos-chave, numa carreira bem-sucedida. Então, pode, perfeitamente, colocar na cabeça, também, o boné de participante do processo de incúria político-administrativa cuja consequência está apontando hoje.

Não estamos querendo dizer que não haveria inundações e desbarrancamentos se se eliminasse o descaso das autoridades responsáveis, e elas se empenhassem no cumprimento do dever. Não é isso. Os desastres sempre aconteceriam. Mas com muito menos mortes, ferimentos, desesperos e estragos. Basta comparar os números do que ocorre no Brasil com o que ocorre em fenômenos naturais análogos de outros países – na Austrália, na Europa e até na Ásia. Um bom pesquisador poderia até traçar um paralelo estatístico entre a circunscrição dos estragos resultantes das fúrias da natureza e a qualidade das administrações locais. Quanto maior seja a qualidade política da administração local, mais delimitados serão os estragos e os sofrimentos. Os terremotos no Haiti e no Chile ilustram o que tento dizer: a diferença não foi só de escala Richter, mas muito, também, de capacidade de lidar com a destruição e com a reconstrução.

Infelizmente, no Brasil, a conclusão que vai se impondo é de que a incúria, o desleixo, a negligência e o teatralismo vazio das autoridades não se revelam apenas nas atitudes diante de catástrofes – como transpareceu vivamente na queda, e após a queda, do avião da TAM e transparece de novo agora. Essa é uma maneira pérfida de proceder visível no tratamento da Educação, da Saúde, da Segurança, da Justiça, da discussão e aprovação de leis, da governança em geral. E com essa maneira de proceder não se constrói uma Nação séria.

Marco Antonio Rocha é jornalista.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 19/01/2011


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Um comentário:

  1. Otavio de Miranda Santos21 janeiro, 2011 13:17

    Caro Sr,
    Estou em total concordância com a sua visão do que são, de fato , as causas destas mazelas que assolam nosso país a decadas.
    Logo virão obras mirabolantes que farão a alegria de empreiteiros e seus sócios ( a grande maioria de políticos ).
    Precisamos educar, educar e educar...
    Um abraço
    Otavio de Miranda Santos

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