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18 de junho de 2012

HISTÓRIA DO SANEAMENTO BÁSICO EM SP PELO ENG. JÚLIO CERQUERIA LEITE NETO

Eng. Júlio Cerqueira César Neto fala da história do saneamento em SP


Caro (a) Jarmuth Andrade

Provocado pelo José Eduardo Cavalcanti me propus a escrever esse texto contando o que me vem à memória sobre o assunto acreditando que esse registro possa vir a ser útil para alguém que se disponha a fazer a história completa.

Saneamento Básico no Estado de 

São Paulo Antes, Durante e 

Depois do Planasa

Introdução
A história do saneamento básico no Estado de São Paulo naquilo que possa nos interessar nos dias de hoje se passou nos últimos 62 anos, de 1950 a 2012, período no qual se destacam três fases distintas com relação ao Planasa – Plano Nacional de Saneamento.
Antes entre 1950 e 1973; Durante de 1973 a 1990 e Depois de 1990 até os dias de hoje. Apresentam grande interesse histórico os últimos 6 anos da primeira fase, entre 1967 e 1973 quando ocorreram simultaneamente dois fatos fundamentais: a profunda reforma político-institucional do saneamento básico no estado e oprocesso de adesão ao Planasa.

Na 1ª fase, tipicamente municipalista, apenas o município da Capital que já era continuou operado pelo Estado – DAE – Departamento de Águas e Esgotos.
O comando dessa fase foi exercido pelos engenheiros sanitaristas.

A 2ª fase, atendendo à exigência do Planasa foi assumida em grande parte (nem todos os municípios aderiram ao plano) pela empresa estadual criada em 1973 com essa finalidade: a SABESP.
Essa 2ª fase continuou sendo comandada pelos engenheiros sanitaristas.

A 3ªfase ainda por conta da SABESP porém o comando do processo passou para os advogados e economistas. Os engenheiros sanitaristas sumiram.

1ª fase – 1950-1973

Acredito que o saneamento básico contemporâneo nasceu nessa fase. Não tenho dúvida de que o grande responsável por esse nascimento e desenvolvimento foi o saudoso Professor Lucas Nogueira Garcez. Eleito Governador do Estado em 1951 com apenas 36 anos de idade cumpriu o mandato até 1954 que sem exageros pode ser considerado entre os melhores que o estado já teve.

O nosso saneamento básico foi bem nascido. O Professor Garcez criou o curso de engenheiros sanitaristas na Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP, manteve o DAE – Departamento de Aguas e Esgotos administrando o município da Capital, órgão de grandes tradições nesse mister, criou o DOS – Departamento de Obras sanitárias para assistir os demais municípios e implantou um sistema permanente de financiamento para o setor através da Caixa Econômica do Estado.

O curso de engenheiros sanitaristas da Faculdade de Higiene logo se tornou referência latino-americana. Formou uma excepcional equipe de sanitaristas não só para o nosso estado mas também para os demais estados brasileiros e diversos países sul e centro americanos.

A equipe paulista não só conduziu com extrema competência a 1ª fase, como formou novos e prosseguiu com eles através da 2ª fase, já no Planasa. É interessante observar que vários desses sanitaristas eram empreiteiros de obras.

O programa obteve excelentes resultados nessa 1ª fase para a maioria dos municípios do estado. Apenas o DAE não conseguiu suportar o enorme crescimento da capital chegando no seu final com sérias deficiências no abastecimento de água e coleta de esgotos, atendendo apenas, respectivamente, 50% e 10% da população.

Final da 1ª fase – 1967-1973

Revolução político-institucional do setor
Governo Abreu Sodré – 1967-1970
(Abreu Sodré foi eleito pela Assembléia Legislativa contra a vontade dos militares)

O Governo assumiu em 1967 com a consciência da realidade da região metropolitana e da péssima situação sanitária que ostentava: 50% da população sem água tratada, 90% sem coleta de esgotos, 100% sem tratamento de esgotos, intensa poluição do ar por emissões industriais. Os índices de mortalidade infantil chegando aos 150 óbitos por 1.000 nascidos vivos como média, mostrando que em diversos setores da cidade os números eram bem mais elevados. A poluição do ar estava asfixiando as pessoas e sujando toda a cidade. O Estado estava completamente despreparado para enfrentar a situação. Estava evidente a absoluta necessidade de uma revolução político-institucional para conseguir enfrenta-la.
Apenas para dar uma ideia, o DAE estava iniciando as obras para reforço do abastecimento de água captando 1,5 m³/s no rio Juqueri. Em termos de esgoto e poluição do ar muito pouca coisa.

A revolução:

·        Abastecimento de água (investimento aceito como o mais eficaz no combate à mortalidade infantil): ampliar o projeto do DAE para 33 m³/s utilizando as águas do Atibaia, Cachoeira e Jaguari: o chamado Sistema Cantareira. Para enfrentar essa situação foi criada a COMASP empresa metropolitana com o porte compatível com o tamanho do problema para responder pela produção de água na região.
Era preciso definir os recursos para as obras.
·        Esgotos. Foi criada a SANESP, empresa metropolitana para se responsabilizar pelo transporte e tratamento de esgotos da região com porte compatível com o tamanho do problema.
·        Distribuição de água e coleta de esgotos para a Capital: serviço tipicamente municipal. Substituição do DAE pela SAEC – Superintendência de Águas e esgotos da capital também com porte compatível com o tamanho do problema. Essa empresa era provisória: a ideia era de que num futuro próximo fosse passada para a Prefeitura mantendo o espírito municipalista do setor de saneamento básico.
·        Fundo gestor de recursos. Foi extinto o DOS e criado o FESB – Fundo Estadual de Saneamento básico que além de fundo gestor de recursos para todo o programa faria também as funções do DOS para assistência aos municípios.
·        Centro Estadual de desenvolvimento científico e tecnológico de suporte aos programas de saneamento básico e controle da poluição. Foi criada a CETESB, que poucos anos após se tornou referência internacional do setor.
Processo de adesão ao Planasa
Não havia tradição de investimentos federais em São Paulo, somente nos demais estados. São Paulo executou por sua conta exclusiva os seus planos energético e rodoviário e estava conduzindo o saneamento básico como já descrito.
Nessa mesma época (1967) um grupo de sanitaristas cariocas com o objetivo de criar um programa de saneamento básico permanente para o Brasil imaginou o Planasa através da utilização de recursos do BNH, recém criado para o financiamento de habitação com recursos do FGTS, argumentando que esses recursos poderiam também atender ao programa de saneamento básico. Venderam a ideia ao governo militar com base num modelo convincente.
O modelo do Planasa se baseou na viabilidade econômico-financeira de empresas estaduais. O seu estudo mostrava a excelente rentabilidade do saneamento básico, produzindo rapidamente fluxos de caixa excepcionais e com isso conseguiu convencer os militares (e os economistas de plantão que só viam o econômico: o social e ambiental nessa época não existiam) a autorizar o uso de parte dos depósitos do FGTS do BNH no seu plano.
Tinha um porém. Eles, no fundo, não acreditavam que a maioria dos estados efetivassem os retornos do capital investido e, também no fundo, sabiam que o estado de São Paulo seria o seu trunfo e que garantiria os retornos para viabilizar o Plano. Daí a enorme pressão que passaram a exercer sobre o Governo Abreu Sodré (1967-2000) para que aderisse ao Plano criando a sua empresa estadual.
Como já salientado a equipe que comandava o saneamento básico em São Paulo era fortemente municipalista, como mostrou a “revolução político-institucional” que acabava de realizar. Ciente das mudanças de escala do seu saneamento o estado realmente precisava de muitos recursos e, em princípio, via essa oportunidade no Planasa, porém mantendo o seu sistema de base municipal. Na realidade, como já salientado, o nosso estado nunca contou com o apoio financeiro da União, realizou às próprias custas os planos energético e rodoviário e certamente resolveria de outra forma o financiamento do seu saneamento básico. O governo Abreu Sodré que era independente com relação aos militares resistiu e não aderiu ao Planasa até o seu término em 1970.
Em 1971 assumiu o governador Laudo Natel, nomeado pelo governo militar e em 1973 criou a SABESP e aderiu ao Plano. Com essa criação foram extintos os outros órgãos recém-criados na revolução político-institucional, menos a Cetesb.
2ª fase – 1973-1990
Corresponde ao período de vigência do Planasa. O estado conseguiu o financiamento que precisava para os investimentos na região metropolitana, especialmente no Sistema Cantareira, e para os municípios que deram concessão à SABESP. Os municípios que resistiram e não aderiram ficaram sem recursos durante 17 anos, até o final do plano.
O comando do programa se manteve na SABESP com os engenheiros sanitaristas.
O estado aproveitou os financiamentos e viveu um período muito profícuo, especialmente no que se refere aos sistemas de abastecimento de água. Nos esgotos foram bem mais modestos. Porem pagou os retornos necessários conforme esperavam os seus autores.
Em meados da década de 1980 o BNH foi extinto e em consequência acabou o Planasa.
O saneamento básico nacional entrou de férias como ainda se encontra.
3ª fase – 1990 – 2012
Essa fase se caracteriza pelo recesso do saneamento básico. Espera-se que a nova lei do Saneamento venha tirar o setor da ociosidade.
É interessante observar que essa fase veio junto com o início da globalização, que em si mesma nada tem de má, seria mesmo inevitável, porém veio associada ao predomínio do mercado financeiro especulativo que substituiu os valores dos direitos humanos pelo lucro a qualquer custo. A crise de 2008 ainda em vigor, demonstra a canoa furada em que o mundo embarcou.
Infelizmente a SABESP aderiu a nova tendência mundial. Substituiu o comando dos engenheiros sanitaristas pelo dos advogados e economistas, parou de investir nos serviços de sua responsabilidade, investiu nesse período apenas em pouco no Projeto Tietê, mesmo assim pressionado pela campanha popular liderada pela Radio Eldorado de 1990, pouco porque a qualidade das águas da nossa região metropolitana se encontram muito piores nesse início da sua 3ª fase do que eram no início do projeto há 20 anos.
Lançou suas ações na Bolsa de Nova York e passou a se preocupar exclusivamente com os lucros dos seus acionistas esquecendo completamente as necessidades dos seus usuários (que geram suas receitas).
Nos últimos anos as concessões dos serviços municipais conseguidos a fórceps durante a ditadura começaram a vencer e suas renovações estão sendo conseguidas pelos processos do Carlinhos Cachoeira.
Nesse período o mundo político se desarticulou e nossos governantes passaram a se preocupar somente com o processo eleitoral, loteamento de cargos e até de instituições e em distribuir verbas e favores. A sociedade se fragmentou e perdeu a unidade.
Os governos não governam mais e a sociedade não reclama.


Em tempo:
Considerando a importância da equipe de sanitaristas que conduziu o processo durante 40 anos (1950-1990) achei que esse texto ficaria enriquecido com a lembrança dos seus nomes, embora correndo o risco de omitir alguns certamente não menos notáveis.
Tentei fazer outra relação com os nomes dos responsáveis pela 3ª fase, mas não consegui.
Engenheiros Sanitaristas que escreveram a história do saneamento básico do Estado de São Paulo nos 40 anos entre 1950-1990.
Abrahão Faynzilber
Agato Mingione
Aldo Rebouças
Alir Doria
Antônio Carlos Parlatore
Armando Bittencourt
Armando F. Pera
Auizio B. fagundes
Azevedo Neto
Benedito E. Barbosa Pereira
Benoit de A. Victoretti
Camal A. Rameh
Carlos Celso do Amaral e Silva
Celso Guimarães
Claudio Manfrini
Eluisio Q. Orsini
Eduardo F. Borba Jr.
Eduardo Yassuda
Geraldo Cruz
Haroldo Jezler
Ivanildo Hespanhol
João Moreira Garcez Filho
José Augusto Martins
José Chiara
Jose Eduardo Cavalcanti
José Luiz Barreiro de Araujo
José Maria Costa Rodrigues
José Meichers
Leopoldo B. Testa
Lucas Nogueira Garcez
Luiz Augusto de Lima Pontes
Maria Helena Orth
Maria Lucia de Paiva Castro
Mauro Garcia
Max Lothar Hess
Nelson Nucci
Omar de P. Assis
Orlando Cassetari
Oscar F. Lotito
Oscar Fugita
Otacilio Caldeira
Otacílio Pousa Sene
Paulo Bezerril
Paulo Ferreira
Paulo Nogami
Paulo Paiva Castro
Plinio Thomaz
Reynaldo Fanganiello
Rodolfo Costa e Silva
Saulo Bartolomei
Thierry C. Rezende
Walter Engracia De Oliveira
Werner Zulauf
Engenheiros Sanitaristas que se destacaram como empreiteiros de obras.
Antônio L. Nunes Galvão
Carneiro Viana
Emilio Siniscalchi
Fernando Viola
Licinio Machado
Paulo Machado Lisboa

Aceite o meu abraço,
Julio Cerqueira Cesar Neto
55 11 36669924 - 55 11 99137065
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