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19 de novembro de 2012

Clima – ceticismo ou esperança? – Washington Novaes


aquecimento global

É significativo que, ainda com os escombros da passagem da supertempestade Sandy à vista, em suas primeiras palavras após a reeleição o presidente Barack Obama tenha dito: “Queremos que nossos filhos vivam num país que não seja enfraquecido por desigualdades e que não seja destruído pelo aquecimento global”. Poucas horas antes, ainda na campanha eleitoral, seu adversário, o republicano Mitt Romney, havia dito não saber o que provoca mudanças climáticas. Já Obama dissera que “negar as mudanças climáticas não as fará deixar de acontecer”.
É importante porque estamos a poucos dias de se iniciar a 18.ª reunião da Convenção do Clima (a COP-18), que reunirá quase 200 países em Doha, no Catar. E numa hora em que, segundo a secretária da convenção, Christiana Figueres, as promessas atuais de redução de emissões de gases de efeito estufa no mundo não são suficientes para atingir o objetivo de conter em 2 graus Celsius, até 2050, o aumento da temperatura da Terra – limite além do qual as consequências serão muito dramáticas (a Blue Planet, instituição que reúne os Prêmios Nobel alternativos do meio ambiente, acha que o aumento ficará em 3 graus, no mínimo, e poderá chegar a 5 graus até o fim do século; outras instituições mencionam 6 graus ou mais).
Mas continua tudo muito difícil. Há quem pense que China e Índia já recuaram da decisão de aceitar, até 2015, um compromisso “vinculante” de todos os países de reduzir suas emissões a partir de 2020. Representantes norte-americanos chegam a dizer que é preciso haver uma declaração “criativamente ambígua”, “flexível e dinâmica” (sem objetivos específicos), e um deles opinou que melhor seria “cada país decidir por si mesmo o caminho a tomar”. Já a Agência Internacional de Energia entende que o caminho mais curto e eficaz será dobrar a produção de energia elétrica e outras fontes não poluentes até 2050 (hoje a primeira está em pouco mais de 16% do total, ante 67% das energias fósseis, 12,8% da nuclear e 3,6% de outros formatos). Mas China e Índia, principalmente, embora venham avançando na implantação de formatos não poluentes, também vêm ampliando a produção de energia a partir do carvão, sua principal fonte, diante da necessidade de ampliar o fornecimento – na Índia 600 milhões de pessoas ainda não dispõem de energia elétrica.
Para complicar mais, continua a discussão entre países “emergentes” e industrializados, com os primeiros entendendo que a responsabilidade de redução de emissões deve caber aos segundos, que emitem poluentes há mais tempo, desde o início da Revolução Industrial, e estes retrucando que hoje os não industrializados já emitem mais que eles – e sem uma redução correspondente nesse “novo mundo” não haverá uma queda suficiente nas emissões globais (pouco menos de 40 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono). E ainda há outros complicadores em cena: que se fará, por exemplo, para reduzir as emissões na cadeia que envolve a agricultura e a produção de alimentos (29% do total), na hora em que será preciso alimentar mais 2 bilhões de pessoas e eliminar a fome de 1,3 bilhão?
O Banco Mundial mostra que os ângulos econômicos da questão têm forte peso nas decisões: as emissões aumentam 0,73% para cada 1% de alta no PIB, mas só diminuem 0,47% a cada queda de 1% (Nature Climate Change, 8/10). E como a expansão econômica neste século pode levar o PIB mundial a pelo menos US$ 235 trilhões, podendo chegar até a US$ 550 trilhões (está por volta de US$ 70 trilhões), não se tem como excluir um panorama preocupante, que leve a temperatura planetária a aumentar até 6,4 graus Celsius. Hoje os subsídios a energias renováveis estão em apenas US$ 70 bilhões anuais, muitas vezes menos que os subsídios para os combustíveis fósseis, principalmente petróleo.
“Vivemos uma emergência planetária”, diz o conceituado cientista James Hansen, da Nasa. E ganha logo apoios, diante das notícias de que o gelo do Ártico se reduziu à menor área de todos os tempos (3,4 milhões de quilômetros quadrados). Há quem pense – como o cientista Peter Wadhams, da Universidade de Cambridge (The Guardian, 17/9) que ele poderá “desaparecer” em quatro anos. Mas sob o gelo há uma quantidade gigantesca de metano que poderá ser liberada (e o metano é pelo menos 21 vezes mais prejudicial na atmosfera que o carbono). Já há uma corrida de empresas norte-americanas, russas, chinesas e outras para explorar ali o petróleo e o gás antes inacessíveis. Entretanto, mesmo diante de fatores dramáticos, há quem continue a duvidar de perspectivas tão ameaçadoras. Mas os “céticos do clima” perderam há pouco uma de suas vozes mais fortes, Richard Muller, físico da Universidade de Berkeley, segundo quem “há fortes evidências de que os humanos tenham mudado o clima planetário”.
Com tudo isso, Yvo de Boer, ex-secretário-geral da Convenção do Clima, pensa que “um acordo agora parece impossível”, ainda que já se saiba que o próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a ser divulgado em 2013, “será chocante” (Watoday, 7/11). Por isso é importante que cada país defina sua metas de redução de emissões, independentemente das negociações em Doha. Até porque estas terão um complicador: as negociações sobre prorrogar (ou não) o Protocolo de Kyoto, de 1997, que expira este ano e é o único acordo internacional que define metas obrigatórias de redução (5,2%) de emissões para os países industrializados. Os Estados Unidos já não o ratificaram e agora Rússia, China e Canadá dizem que não aceitam a prorrogação (o Brasil quer, pois é o terceiro país em volume de recursos recebidos para financiamento de projetos que reduzam emissões, e estes já movimentaram dezenas de bilhões de dólares no mundo).
Neste panorama mundial de desastres, e com o Brasil enfrentando inundações, calor e secas inéditos em muitas décadas, vamos ver que posição tomaremos em Doha.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 19/11/2012

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