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5 de março de 2013

Investimentos Brasileiros em Água, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)


acesso à agua

[EcoDebate] O ano de 2013, postado pela ONU como aquele da “cooperação pela água”, é um teste para a veracidade da política hídrica brasileira. O país das águas – somos o país de tantas coisas – tem mesmo sua prioridade no abastecimento humano e na dessedentação dos animais, como define a lei brasileira de recursos hídricos 9.433/97?
No ano de 2012, se abstrairmos o investimento federal em barragens, então o abastecimento humano tornou-se efetivamente prioridade, mesmo considerando o investimento na Transposição de Águas do São Francisco como de uso exclusivamente econômico. A longa estiagem no Semiárido brasileiro obrigou o governo a fazer esses investimentos, sob o risco de colapso hídrico em centros urbanos de todas as dimensões populacionais.
Uma análise mais detalhada dos investimentos brasileiros em água pode nos ajudar nessa tarefa. Segundo o SIGA do Senado Federal “a dotação inicial para a água na LOA 2012 foi da ordem de R$ 2.339.655.429 (Dois bilhões, trezentos e trinta e nove milhões, seiscentos e cinqüenta e cinco mil e quatrocentos e vinte e nove reais). Foram autorizados R$ 3.153.001.306 (Três bilhões, cento e cinqüenta e três milhões e um mil e trezentos e seis reais). Foram empenhados R$ 1.882.695.481 (Um bilhão, oitocentos e oitenta e dois milhões, seiscentos e novena e cinco mil e quatrocentos e oitenta e um reais). Liquidados foram R$ 442.466.697 (Quatrocentos e quarenta e dois milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil, seiscentos e noventa e sete reais) o que significa uma execução percentual 14,03% da LOA” (INESC ).
Acontece que nessa análise não consta o investimento em abastecimento humano pela linha do saneamento básico, que inclui o abastecimento humano, principalmente nas cidades. Esse investimento ultrapassou a casa de um bilhão de reais em 2012.
Nessa seca que o Semiárido atravessa o governo federal – e os estaduais – viram-se obrigados a fazer o que a sociedade civil nordestina reivindica há muito tempo, isto é, investir na distribuição da água acumulada nos reservatórios, particularmente através das adutoras. O manancial principal tem sido o São Francisco. Assim, só na Bahia, o governo estadual em parceria com o Federal, tendo ainda a EMBASA (Empresa Baiana de Saneamento) como operadora principal, realizou rapidamente as adutoras de Guanambi e Irecê. Assim também agiu o governo de Pernambuco que está concluindo a adutora do Pajeú.
Os principais programas nacionais de investimento em água são o “Oferta de Água” e “Água para Todos”, esse último vinculado ao Brasil sem Miséria. Nele se inclui os programas de construção de cisternas, tanto o operado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), como aquelas de polietileno distribuídas pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), mas também a implantação de sistemas simples de abastecimento. Mas, como a água tem muitas interfaces, todo investimento em saneamento tem uma dimensão de “abastecimento humano” que precisa ser considerado. Além do mais, há programas como o “Gestão de Risco e Resposta a Desastres”, mais vinculado à questão das mudanças climáticas, que tem uma evidente interface com a drenagem das águas pluviais.
Há ainda programas relativos à água, mas não diretamente vinculados ao abastecimento humano como “Ciência, Tecnologia e Inovação” e o “ Mar, Zona costeira e Antártida”.
O Brasil lançou em 2011 o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). O total previsto de investimentos em 20 anos é da ordem de R$ 426 bilhões. Como parte desse todo, ali está previsto o custo da universalização da água em todo o território nacional de 2011 até 2030: R$ 105.152.000.000 (cento e cinco bilhões e cento e cinquenta e dois milhões de reais). Para o período de 2011 a 2015 foi planejado o investimento de R$ 29.226.000.000 (vinte e nove bilhões e duzentos e vinte e seis milhões de reais). Para esse período, o PLANSAB prevê o investimento anual de R$ 5,84 bilhões em abastecimento.
Essa quantidade não está sendo investida e ainda há a questão da qualidade final desses investimentos, principalmente quando se trata do abastecimento humano vinculado ao saneamento. Aqui no São Francisco, sua revitalização tem recebido investimentos em saneamento, mas a qualidade final das obras tem sido um desastre, quando não totalmente inconclusas e abandonadas pelas empreiteiras, exigindo novas licitações e aditivos para que sejam efetivamente concluídas em todos seus parâmetros projetados.
Pouco se comenta que, nessa seca, uma das razões fundamentais para a crise do abastecimento no meio urbano foi a intensa utilização desses mananciais para a agricultura irrigada, inclusive de águas subterrâneas, correndo o risco de em médio prazo secarmos importantes mananciais subterrâneos que abastecem populações e também rios, como é o caso do aqüífero Urucúia, no Oeste Baiano, garantidor da perenidade do São Francisco. Há aí um evidente conflito no uso da água, prevalecendo o uso econômico sobre o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
O hidronegócio – expressão cunhada no âmbito da Comissão Pastoral da Terra -, quando a água é transformada em negócio, está na raiz de toda essa inversão de valores, que expõe, por exemplo, a população nordestina a uma escassez violenta e provoca a eliminação dos animais, mas é incapaz de controlar o uso intenso da água pelas empresas de irrigação.
Entretanto, não é possível negar que, premido pela tragédia que poderia ter sido essa seca – o risco ainda não acabou -, o governo federal inaugurou uma nova dinâmica no abastecimento de água em nível nacional.
OBS 1: Mais informações sobre a Lei Orçamentária da Água (LOA) pesquisar “Série Orçamento Sócio-ambiental” http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/biblioteca/textos/serie-orcamento-socioambiental.
OBS 2: Mais informações sobre “Conflitos pela Água”, acessar “Conflitos no Campo”www.cptnacional.org.br. Os dados de 2012 ainda não estão disponíveis.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
EcoDebate, 05/03/2013

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